domingo, 8 de dezembro de 2013



A ANÔNIMA

Monica Siedler
07/12/2013


E chega um pessoal de longe, cantando samba, invadindo a rua, atrapalhando o transito. É Dioniso transfigurado em Dionisio. É Barra Funda. Agora lugar de prédios, de transito, de trem. 




Jorra vinho barato das tetas garrafa peti da mãe terra. Alguém fala: é sangue de boi, e, agarrada à mãe, a menina esboça uma expressão de terror e seus olhos enchem de lagrimas: é sangue de boi?

E aparece ele, o clássico das ruas de São Paulo: o transeunte embriagado. Fala arrastada, andar cambaleante, magro. Ele cuida do transito. Diz quem pode passar ou não. Bem diferente de mim ele não é espectador. Ele age, ele interage. Agora é ator, junto com seus colegas de profissão.

Vai começar o jogo de futebol. No meio da rua. Ao fundo a estrada de ferro. O anônimo (o transeunte bêbado) é juiz junto com o juiz ator. Tenta pegar à força o apito. Pronuncia palavras não entendíveis. Fica um pouco perdido no meio de tanta gente. Afinal, ao todo são 30 atores. Ele faz um pequeno alarde, nada grave. Em dado momento o anônimo se acalma. Fim de jogo.

Continuamos a caminhada rumo ao outro lado dos trilhos do trem. E lá está Prometeu acorrentado. E o anônimo o reconhece: "mestre". Pronto, agora ator-prometeu é seu mestre. E é preciso proteger seu mestre. Anônimo improvisa um bastão com o mastro da bandeira-objeto de cena e maneja a nova arma com muita destreza. Ele é talentoso. Parece saber lutar. Nós do publico, juntos, damos um passo grande para trás, com medo de ser atingidos, mesmo ele estando meio longe da gente. Não tínhamos medo dos atores, do que eles poderiam fazer. Mas morríamos de medo do que aquele moço anônimo poderia fazer. Aquele moço anônimo que não conseguia se equilibrar direito e que até agora nos acompanhava cuidando do transito, ou melhor, cuidando da gente, para não sermos atropelados pelos motoristas mau humorados.

Estamos do lado da passarela. Embaixo da rampa, encostado no muro que separa os passantes dos trilhos do trem fica a morada de dois jovens e seus três cachorros. "Cachorro não, vira-lata" diz o anônimo. Os cachorros latem e abanam os rabinhos para Prometeu. Tudo é real. Tudo é cena.

As atrizes-cabras aceitam o desafio e vão em luta contra seu oponente anônimo. E começa a luta-jogo. Porque o anônimo se mostra um grande brincador. Esboça seu primeiro grande sorriso diante de nós. Provavelmente envaidecido pela atenção que aquelas belas moças-cabras deram a ele.

Prometeu exige seu bastão. E o anônimo obedece respeitosamente seu mestre. Não entendo tudo o que ele diz. Em seguida passa o senhor Barafonda nos conduzindo para o final do tour turístico. Não vi mais o anônimo. Senti sua falta. No final, a anônima era eu.

* Espetáculo Barafonda, da Cia. São Jorge de Variedades