Setembro
por Barbara Biscaro
Os últimos dias mostraram os
capítulos finais de uma tragédia anunciada. O trágico dos acontecimentos não
foram as mudanças (necessárias e bem-vindas nos diversos ciclos da vida), mas o
teor ideológico e político que as motivaram e o desfecho bizarro dessa ação que
se constitui devidamente denominada e sem máscaras: um golpe.
É interessante para mim perceber
que o último texto publicado por nós foi em janeiro deste ano. Refletia um
cansaço cheio de desejo de luta. Porém, o processo traumático que passamos como
nação desde o início desse ano, a meu ver, preencheu e deu a tônica de nossas
vidas de forma incontornável. Vimos o MinC ser extinto e restabelecido em
caráter golpista, vimos diariamente retrocessos na área da cultura e da
educação, percebemos como questões básicas dos direitos humanos não estão
consolidadas em nosso país, protestamos e ocupamos real e virtualmente, ouvimos
os pronunciamentos mais estapafúrdios, preconceituosos e retrógrados possíveis
da boca de politicxs, amigxs, familiares, donxs de quitanda e paneleirxs em
geral.
Setembro chega, carregando aquela
data em que projetamos uma ação do Vértice nos idos de um janeiro brando (e
ignorante do que confrontaríamos nos meses seguintes). Vivemos, pelo menos em
Florianópolis, meses em que o protagonismo da luta das mulheres contra o golpe
foi um alento e uma esperança. A mulherada na rua foi um presente em tempos de
guerra, foi um alento frente à constatação in
loco e televisionada de que homens brancos, ricxs e violentos definem as
prioridades e os rumos de nossas vidas enquanto nação.
Sinto ao meu redor pessoas que,
se antes estavam engajadas em lutas maiores ou em projetos ousados, agora
travam batalhas pessoais conta o empobrecimento, o medo, a instabilidade, o
adoecimento. Sinto quase todxs ao meu redor tentando se reinventar de algum
modo, agora de acordo com as novas regras e projeções de um jogo perverso. 2016 marca o
início de uma prova de fogo e de sobrevivência não só para artistas, educadorxs
e ativistas em geral: serão tempos em que precisaremos nos reinventar
continuamente, fazer as contas com nossos legados e imaginar as possibilidade
de ação após uma ruptura como essa.
Não desistimos de realizar uma
ação do Vértice ainda em 2016, apenas entendemos que o tamanho e o caráter
desta ação precisará ter o tamanho que os nossos corações mandam. Precisará ter
o aconchego e a vitalidade que nossos corpos possam aguentar. Precisará de igual
dose de cura e de provocação. Precisará contemplar o silêncio e dançar na
batucada. Precisará do coletivo e do individual vibrando na mesma frequência
para que o esforço faça sentido.
Por isso, o texto de hoje não
faz nenhuma promessa. Apenas sabe que, as mulheres e homens que puderem
responder a um chamado do Vértice esse ano, serão aquelxs que precisam estar
aqui conosco. Tantxs outrxs estarão em coração e mente. Tantxs outrxs em legado
e guia. Pensaremos em algo, com certeza. Na perspectiva de uma luta longa, de
uma travessia desgastante, o Vértice 2016 tem que ser, para nós e para quem vier, o lugar de se refazer, de arriar as armas por um momento, ganhar uma
massagem e um beijo na testa e ouvir das outras mulheres que juntas
continuaremos: em silêncio ou cantando, nas ruas ou nas casas, na cena ou na
vida.