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quinta-feira, 24 de novembro de 2011


ENCONTRO INTERNACIONAL MAGDALENA SEGUNDA GENERACION
MUJER TEATRO Y OFICIO


Barbara Biscaro


“Un viajero con mochilas o com valijas, cualquiera que sea su status o condición social, es un hombre que busca. Se hace preguntas, y tal vez el viaje sea una primera respuesta a sus interrogantes. Puede que en su lugar encuentre más preguntas, o se dé cuenta definitivamente de que el hombre es una pregunta.”
(Marcos Rosenzvaig)


Estava no aeroporto voltando do encontro internacional Magdalena Segunda Generación: Mujer, Teatro y Oficio, quando abro um livro recém-comprado em uma livraria de Buenos Aires sobre Tadeusz Kantor e paraliso neste parágrafo citado acima. Muitas vezes durante uma viagem ou até mesmo durante o retorno para casa, me pergunto constantemente o sentido de viajar. Viajamos muitas vezes sem dinheiro, sem conforto, nos propondo a trabalhar incessantemente. Uma viagem, principalmente quando se viaja sozinha rumo a um contexto desconhecido, representa uma série de interrogações, muitas vezes mais profundas do que podemos suspeitar na superfície deste ato de mover-se. Neste sentido, quando li o parágrafo acima, pude perceber que neste permanente processo de busca, o que me move não são necessariamente as respostas que procuro, mas as perguntas que me colocam em movimento. E este sentido de viajera é a alma de um encontro como o Magdalena 2a Generación, na Argentina: sair de casa (de nossas ilhas individuais) e cruzar distâncias rumo ao outro.

Claro, lembrando das aulas de Lúcia Sander e dos diversos momentos do encontro em Buenos Aires e Dolores, na mesma epígrafe, faria apenas uma mudança: acrescentaria junto à palavra “hombre” a palavra “mujer”... recordando que Lúcia insistiu: devemos nominar a mulher, não aceitar a generalização do gênero humano enquanto gênero masculino, como um exercício constante de construção da memória feminina também no universo da palavra escrita.
vista da cidade de Dolores

É emblemático ler esta frase depois de sete dias intensivos em Buenos Aires e Dolores, com todas as 'chicas' e 'chicos' que com suas malas e mochilas, viajaram com suas perguntas pessoais para compartilhá-las em um momento único. Imposssível então, não pensar nas “Viajeras”, de Natália Marcet, Natália Tesone, Marcela Britto e Laura D'Anna, buscando seu circo perdido ou inexistente, guiadas pelo puro prazer de buscar: buscar incessantemente, mesmo que não se saiba claramente o que se está buscando. Este é o espírito dessas mulheres e homens que se reúnem em um encontro como esse: perguntar-se acima de tudo, e encontrar em muitas outras pessoas (que até o dia anterior eram desconhecidas) um mesmo desejo de transformar a si mesmo, a sua prática, e renovar o sentido de estar diariamente empreendendo uma jornada artística com todas as suas dificuldades, seus prazeres, suas alegrias e suas delimitações.

Tentando fugir do academicismo, mas ao mesmo tempo tomada pelo meu momento pessoal de escrita de uma dissertação de mestrado, lembrei do filósofo Bento de Espinosa e sua definição da ética através da metáfora dos bons e maus encontros. Gilles Deleuze explica que “para Spinoza há uma variação contínua - e é isso que 'existir' quer dizer - da força de existir ou da potência de agir […]”. Isso quer dizer que, dentro de todas as variações possíveis que envolvem a vida e a existência, quando realizo um bom encontro com alguém, este encontro aumenta a minha potência de existir, e por consequência minha potência de agir; quando realizo um mau encontro, este encontro diminui ou inibe a minha potência de agir, me enfraquecendo.  Impossível não estabelecer um paralelo entre esta ideia e a prática do que acontece em um encontro Magdalena: dentro de dezenas de possíveis encontros entre pessoas, aumentamos nossa potência de agir em nossos locais de origem por consequência de diversos 'bons encontros', que frutificam nossas possibilidades enquanto mulheres e artistas. E nesse sentido, o encontro internacional Madgalena 2a Generación foi um grande possibilitador dos 'bons encontros'.
Cecilia Ruiz, Laura D'Anna, Silvia Vladmivsky, Natália Tesone e Lúcia Sander

Cito Espinosa e meu academicismo temporário também porque tenho refletido muito sobre as formas de registro de momentos tão especiais como estes, sendo as palavras e o texto escrito uma das formas de registrar o passado. Empreender uma espécie de caminho inverso, quando o registro qualifica uma reflexão a partir de elementos reais e práticos, vividos no corpo: um encontro entre pessoas, o compartilhar de práticas artísticas, conviver entre a comida, o sono e o cansaço. Desta forma sonho com o ato de registrar como um ato criativo. Assim como se busca fazer da voz falada um modo de tornar viva a palavra escrita no teatro, posso buscar a vida na palavra escrita quando ela dá forma a uma vivência muito forte como a que passamos juntas na Argentina neste período.

No espetáculo de Helen Chadwick, “Dancing in my mothers arms”, no chão está traçada uma diagonal de objetos, sons, sabores e memórias. Traçar estas diagonais dentro de nós mesmas significa talvez, como faz Helen, cantar nossas próprias memórias, cantar como um modo de ser ouvido e de ouvir a si mesma. Cantar como se não houvesse amanhã. As ausências, como falaram de forma linda Hildy Quintanilla Ocampo e Lúcia Sander, marcam essa minha reminescência: só porque uma coisa não pode ser lembrada, não quer dizer que ela não aconteceu. Só porque uma pessoa não está, não significa que ela não exista ou não existiu. Exatamente por isso é necessário celebrar a memória, como faz de forma tão linda Ya Ling Pen, ou como podemos sentir em “Semillas de Memória”, de Ana Woolf.

Na tarde que passei em Buenos Aires fazendo hora para pegar o avião, fui ao cinema, exausta, com todas as minhas malas, mochilas e perguntas fervilhando na cabeça. Tive sorte: vi o filme “Violeta se fue a los cielos”, sobre a vida e obra da cantora chilena Violeta Parra, mulher extraordinária que aos cinquenta anos de idade, depois de uma vida lutando pela memória musical do cancioneiro popular seu país, se suicida com um tiro, sofrendo por amor. Me peguei chorando uma tarde, em um cinema qualquer de Buenos Aires, pensando em cada uma das mulheres que conheci nesses dias, pensando em bons e maus encontros, em quem estava esperando por mim em casa e quem eu não sabia se veria novamente. Lembrei de minha avó paterna, outra semente jogada em meu coração nos dias de viagem deste encontro.

Nesse mesmo dia, ao chegar no aeroporto, sem nem mesmo esperar, encontro Ya Ling Peng na porta do embarque. Rimos juntas, comprando alfajores e quando me despedi dela, em direção ao meu voo, me deu uma vontade enorme de parar, levantar minha mão direita em um gesto lento de adeus, puxar um fio imaginário do alto da minha cabeça, arrancá-lo e silenciosamente dizer: Adeus Argentina, hasta luego!

Mas para entender mesmo esta minha sequência de gestos de adeus, só mesmo tendo vivido o que se passou nesses dias especiais, memória que partilho nesse pequeno espaço com as companheiras de trabalho em Buenos Aires e Dolores, que compartilharam umas certas 20 quadras entre um cemitério e uma praça, em um  outubro/novembro de 2011. Gracias a todas e todos!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011


Uma Ofélia portenha


Marisa Naspolini



Ofélia é uma personagem de Shakespeare que integra a tragédia Hamlet, considerada a obra mais densa – e provavelmente a mais representada – do dramaturgo bardo. Na peça, Ofélia é a noiva do protagonista e vive um romance tumultuado em meio às conturbadas relações de poder presentes no Reino da Dinamarca do século 16. Colocada em segundo plano na trama, Ofélia ganhou muito interesse por parte de pintores no decorrer dos séculos e é considerada a personagem de Shakespeare mais retratada na pintura. Em Hamlet, ela é encontrada afogada em um rio e sua morte é dada como suicídio. Ofélia é normalmente vista como uma heroína frágil, bela, suave, o arquétipo da donzela indefesa. Recentemente, historiadores britânicos afirmaram que a sua história teria sido inspirada em um caso real, um afogamento acontecido no Rio Avon, próximo a onde Shakespeare viveu. A morta (de verdade) seria provavelmente uma prima distante do escritor.

Ofélia é também o nome de um espaço de arte – Ofelia Casa Teatro – localizado em Palermo Soho, em Buenos Aires, onde se pode desfrutar de uma programação permanente em diversas áreas: teatro, audiovisual, dança, fotografia e artes plásticas. O lugar é acolhedor e inspirador, uma casa, como o próprio nome indica. Uma casa estilosa de dois andares feita de amplas salas com sofás e poltronas confortáveis e uma decoração descolada e pop que possibilita encontros ao redor de um café enquanto se espera pela hora do espetáculo que acontece na sala ao fundo, que comporta um público pequeno, de mais ou menos 50 pessoas. Palermo Soho é um bairro frequentado por artistas, intelectuais e boêmios, pontuado também pelo mercado de moda alternativa chique e descolada. A proliferação de bares, cafés e lojas de arquitetura singular lembra, não por acaso, o Soho original, agora transformado em adjetivo e copiado mundo afora.


Vale lembrar: em Nova York, SoHo significa South of Houston e designa uma área de Manhattan, ao sul da Rua Houston, que abriga uma infinidade de galerias, lofts de artistas e lojas bacanas. No início do século 20, a região estava repleta de galpões e armazéns abandonados e sua transformação foi considerada um exemplo de revitalização urbana. O Soho londrino também é um bairro tradicionalmente ligado às artes e à efervescência intelectual. Por ali passaram nomes e ocorreram movimentos importantes que mexeram com o pensamento e a moral ocidental.

Ofélia é ainda o nome que a professora de crítica literária e performer radicada em Brasília Lucia Sander escolheu para dar a seu espetáculo, que propõe uma versão inusitada e atualizada para a história renascentista da Ofélia de Shakespeare. Quatrocentos anos depois Ofélia volta à cena para esclarecer as circunstâncias de sua morte– seria um assassinato? Em Ofélia Explica ou O Renascimento Segundo Ofélia, Lucia ressuscita Ofélia, agora escondida na periferia carioca, usando e abusando de gírias e jargões do rap, com pistola em punho e um cigarro nas mãos. Com humor e um tom crítico, mordaz, a performer traz a personagem para o centro da cena, revisando junto ao público a sua história de opressão. Ao invés de frágil e indefesa, Ofélia tem voz ativa e clama por seus direitos – no mínimo de ser ouvida.

Lucia Sander em Ofélia explica

Durante alguns dias, no Soho portenho, o nome de Ofélia pareceu resumir – ou traduzir – uma experiência contemporânea em arte na qual a mulher rediscute e reescreve sua história, criando uma nova identidade para si. Deu o que pensar.