Alguns lugares da memória
Marisa Naspolini
1 de junho
de 2013 | Diário Catarinense
Recentemente assisti a um espetáculo com uma
atriz norueguesa de 69 anos chamado Memória. Fui ao teatro achando que se
trataria de um percurso autobiográfico, o que muito me agradaria no caso dela,
visto que seu histórico pessoal ocupa um lugar privilegiado na história do
teatro contemporâneo. Mas as memórias de Else Marie Laukvik diziam respeito a
episódios do holocausto vividos por dois reconhecidos escritores sobreviventes
de Auschwitz: o italiano Primo Levi e o austríaco Jean Améry, nascido Hanns
Chaim Meyer. Em um trabalho denso e poético, que tira o fôlego do público
quando faz relatos comoventes sobre os campos de concentração, ficamos sabendo
que ambos cometeram suicídio após uma vida marcada pelo terror da perseguição
nazista.
Além de sair profundamente tocada pelo enredo e pela forma com que o espetáculo é conduzido (músico e atriz compartilham um chá enquanto contam, cantam e tocam suas histórias), fiquei pensando no quanto a arte teatral pode ser generosa com a chamada “terceira idade”. Há um clichê no meio artístico que diz que a profissão de ator é uma das únicas em que a fórmula do vinho é aplicada: quanto mais velho, melhor. É óbvio que não estamos falando de atores movidos a imagem que acham que a boa forma física é o requisito maior para permanecer na ativa e, portanto, fazem todo tipo de intervenção para minimizar as rugas, as marcas do tempo, o cansaço do corpo, a rouquidão da voz. Mal sabem eles que estas marcas de uma vida bem vivida são dádivas em uma profissão que procura, acima de tudo, tornar crível aquilo que se faz no palco. E para um ator se tornar crível, quanto menos disfarce melhor.
Há um grupo de teatro em Londrina, a Cia. de Theatro Fase 3, que desenvolve um trabalho com atores idosos desde 1986. O grupo, que nasceu como um projeto de pessoas acima de 60 anos que queriam se expressar através do fazer teatral, foi ampliando seu repertório com a montagem sucessiva de espetáculos que unem memória e experiência vivida para criar poesia na cena. Os trabalhos do Fase 3 se tornaram referência no Brasil e no exterior e, desde o ano 2000, o grupo vem realizando apresentações em países como Inglaterra, Suécia, Alemanha, Noruega e Dinamarca, além da própria cidade natal. Os mais de 20 espetáculos produzidos ininterruptamente comprovam a vitalidade dos atores e o desejo presente e permanente de trabalhar com arte.
O espetáculo mais recente do grupo se chama Yolanda Cala Boca e é protagonizado por Carmen Mattos, de 81 anos, que está só na cena. O trabalho reúne vários relatos coletados de pessoas que sofrem de Alzheimer, a maioria amigos da atriz, e trechos de sua própria vida. Carmen, que há um ano perdeu sua parceira de cena, Jandira, aos 79 anos, tem um invejável currículo internacional e afirma que atuar renova seu espírito.
Carmen e Else Marie, cada uma a seu modo (e é bom ressaltar que suas realidades são bem distintas - Carmen começou a atuar depois dos 60, Else Marie pertence ao Odin Teatret, companhia profissional dinamarquesa de referência internacional, desde os 20 anos de idade), propõem um olhar para o passado e trazem à tona a densidade de uma vida forte e plena. Ambas alimentam em seus espectadores a sensação de que envelhecer com lucidez e dignidade pode ser um convite a contemplar o passado com leveza e responsabilidade, viver o presente com inteireza e vislumbrar um futuro ainda cheio de perspectivas.
Além de sair profundamente tocada pelo enredo e pela forma com que o espetáculo é conduzido (músico e atriz compartilham um chá enquanto contam, cantam e tocam suas histórias), fiquei pensando no quanto a arte teatral pode ser generosa com a chamada “terceira idade”. Há um clichê no meio artístico que diz que a profissão de ator é uma das únicas em que a fórmula do vinho é aplicada: quanto mais velho, melhor. É óbvio que não estamos falando de atores movidos a imagem que acham que a boa forma física é o requisito maior para permanecer na ativa e, portanto, fazem todo tipo de intervenção para minimizar as rugas, as marcas do tempo, o cansaço do corpo, a rouquidão da voz. Mal sabem eles que estas marcas de uma vida bem vivida são dádivas em uma profissão que procura, acima de tudo, tornar crível aquilo que se faz no palco. E para um ator se tornar crível, quanto menos disfarce melhor.
Há um grupo de teatro em Londrina, a Cia. de Theatro Fase 3, que desenvolve um trabalho com atores idosos desde 1986. O grupo, que nasceu como um projeto de pessoas acima de 60 anos que queriam se expressar através do fazer teatral, foi ampliando seu repertório com a montagem sucessiva de espetáculos que unem memória e experiência vivida para criar poesia na cena. Os trabalhos do Fase 3 se tornaram referência no Brasil e no exterior e, desde o ano 2000, o grupo vem realizando apresentações em países como Inglaterra, Suécia, Alemanha, Noruega e Dinamarca, além da própria cidade natal. Os mais de 20 espetáculos produzidos ininterruptamente comprovam a vitalidade dos atores e o desejo presente e permanente de trabalhar com arte.
O espetáculo mais recente do grupo se chama Yolanda Cala Boca e é protagonizado por Carmen Mattos, de 81 anos, que está só na cena. O trabalho reúne vários relatos coletados de pessoas que sofrem de Alzheimer, a maioria amigos da atriz, e trechos de sua própria vida. Carmen, que há um ano perdeu sua parceira de cena, Jandira, aos 79 anos, tem um invejável currículo internacional e afirma que atuar renova seu espírito.
Carmen e Else Marie, cada uma a seu modo (e é bom ressaltar que suas realidades são bem distintas - Carmen começou a atuar depois dos 60, Else Marie pertence ao Odin Teatret, companhia profissional dinamarquesa de referência internacional, desde os 20 anos de idade), propõem um olhar para o passado e trazem à tona a densidade de uma vida forte e plena. Ambas alimentam em seus espectadores a sensação de que envelhecer com lucidez e dignidade pode ser um convite a contemplar o passado com leveza e responsabilidade, viver o presente com inteireza e vislumbrar um futuro ainda cheio de perspectivas.
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