quarta-feira, 8 de outubro de 2014

 

NA METADE DO MUNDO

 

  * Marisa Naspolini



Escribo de Quito, Ecuador. Aquí ora hace frío ora hace calor. La temperatura cambia todo el día. Há uma piada local que diz: “Não gostou do clima de Quito? Caminhe três quadras.” Ou seja, parecemos cebolas que passam o dia se desfolhando e voltando a se cobrir novamente. Entramos no túnel com sol e saímos debaixo de chuva. É preciso andar com um pequeno guarda-roupa providencial na bolsa. Nisso que dá estar entre os trópicos com altitude de 3.000 metros. O cérebro – e o corpo – ficam meio confusos.

Há coisas muito curiosas que acontecem no marco 0 da Linha do Equador. A primeira delas é que há divergência sobre sua localização exata. Assim, a alguns quilômetros de Quito há dois “monumentos”, por assim dizer, que reivindicam para si o ponto geográfico exato em que os polos do planeta estão mais achatados e a Terra mais perto do sol. Um deles é o Museo Inti Nan, que representa o conhecimento da ancestralidade indígena da região. O outro é um monumento certificado pela comunidade científica internacional, que redefiniu a localização da latitude 00o00’00” através de equipamentos ultramodernos. Trata-se de um prédio de concreto com bandeiras e lojinhas de souvenir. 



Decidimos ficar no primeiro, o aparentemente genuíno, feito de cabanas indígenas e percursos naturais onde se pode fazer vários experimentos interessantes, como pular a linha (“estou no norte, estou no sul, no norte, no sul...”), brincar com a gravidade, colocando ovos em pé, lutando e sentindo a diferença do peso e da força do corpo dependendo de que lado você está. O bacana é que no hemisfério sul ficamos mais fortes (!). Há também a experiência com a água que desce reto, sem fazer redemoinho, na latitude zero. Tudo muito divertido. Mais ainda é fazer este percurso com um bando de mulheres criadoras e criativas, durante uma brevíssima pausa na programação do XI Encuentro de Mujeres Creadoras – Tiempos de Magdalena, promovido pela Fundación Mandragora.

O encontro já está na décima primeira edição, mas é a primeira vez que acontece em parceria com o Projeto Magdalena, o que lhe dá um caráter de estreia, de certa forma. O fato é que nos encontramos por aqui, mulheres de teatro e performance de todas as partes e latitudes, bem pertinho do sol, o que deve ter algum significado especial. Estamos, no mínimo, “calentadas”... Bem, um encontro Magdalena, respeitadas as diferenças geográficas e culturais, é sempre um encontro Magdalena. Multiplicidade de línguas e linguagens, acertos e desacertos, divergências e comunhão, falas e debates apaixonados recheados por histórias de vida e depoimentos instigantes. Além disso, exposição fotográfica, lançamento de livros, incursão por outras paragens e café, muito café, no Sweet & Coffee, nosso ponto de encontro informal, cujo nome nos faz refletir sobre a dolarização da moeda local. 






Estou preparando as malas. Minha cabeça está povoada de mulheres: atrizes, diretoras e dramaturgas que ocuparam muitas salas, as ruas e os meus pensamentos nos últimos dias. Dos encontros surgem afinidades, desejos de parcerias, projetos mirabolantes e quem sabe realizáveis (não duvido!), línguas inventadas, que misturam inglês, espanhol, português e italiano e produzem pérolas do tipo: Ecco, voy a calçar my shoes para salir. À mesa do jantar, degustando mezcal com grilos fritos (isso mesmo, trazidos do México por Violeta Luna), nos damos conta de que há seis encontros Magdalena previstos para acontecer em 2015: três no Brasil (Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro), além de Bogotá, Santiago e Montpellier. Durante a noite tive um pesadelo. Era puxada de um lado para o outro (seria algum trauma da experiência com a linha do Equador?) por mulheres que gritavam em línguas variadas e incompreensíveis. Tentavam me levar para todos esses lugares e eu, no meio (na metade do mundo?), olhava assustada para aquela confusão.

Acordei com vontade de silenciar, como sempre acontece depois desses encontros, invadida pelo desejo de calar-me por uns dias e digerir a experiência. Dei sorte. As imagens do espetáculo de Cristina Castrillo – If silence knew (Se o silêncio soubesse) – vão me acompanhar nessa tentativa. A delicadeza e a força de sua atuação sem palavras reforçam em mim a sensação de que o silêncio – sempre ele – é o melhor companheiro na volta pra casa. Mas também me acompanham as sábias palavras que ouvi de uma ex-presidiária durante a performance Dohter: “o amor não é um sentimento. Amar é uma decisão”. Aprendo, na metade do mundo, que a decisão cabe só a mim. Já posso ir embora. Gracias, Ecuador.

Quito, 8 de outubro de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário