quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Setembro

Setembro
 por Barbara Biscaro

Os últimos dias mostraram os capítulos finais de uma tragédia anunciada. O trágico dos acontecimentos não foram as mudanças (necessárias e bem-vindas nos diversos ciclos da vida), mas o teor ideológico e político que as motivaram e o desfecho bizarro dessa ação que se constitui devidamente denominada e sem máscaras: um golpe.

É interessante para mim perceber que o último texto publicado por nós foi em janeiro deste ano. Refletia um cansaço cheio de desejo de luta. Porém, o processo traumático que passamos como nação desde o início desse ano, a meu ver, preencheu e deu a tônica de nossas vidas de forma incontornável. Vimos o MinC ser extinto e restabelecido em caráter golpista, vimos diariamente retrocessos na área da cultura e da educação, percebemos como questões básicas dos direitos humanos não estão consolidadas em nosso país, protestamos e ocupamos real e virtualmente, ouvimos os pronunciamentos mais estapafúrdios, preconceituosos e retrógrados possíveis da boca de politicxs, amigxs, familiares, donxs de quitanda e paneleirxs em geral.

Setembro chega, carregando aquela data em que projetamos uma ação do Vértice nos idos de um janeiro brando (e ignorante do que confrontaríamos nos meses seguintes). Vivemos, pelo menos em Florianópolis, meses em que o protagonismo da luta das mulheres contra o golpe foi um alento e uma esperança. A mulherada na rua foi um presente em tempos de guerra, foi um alento frente à constatação in loco e televisionada de que homens brancos, ricxs e violentos definem as prioridades e os rumos de nossas vidas enquanto nação.

Sinto ao meu redor pessoas que, se antes estavam engajadas em lutas maiores ou em projetos ousados, agora travam batalhas pessoais conta o empobrecimento, o medo, a instabilidade, o adoecimento. Sinto quase todxs ao meu redor tentando se reinventar de algum modo, agora de acordo com as novas regras e projeções de um jogo perverso.  2016 marca o início de uma prova de fogo e de sobrevivência não só para artistas, educadorxs e ativistas em geral: serão tempos em que precisaremos nos reinventar continuamente, fazer as contas com nossos legados e imaginar as possibilidade de ação após uma ruptura como essa.
 
Não desistimos de realizar uma ação do Vértice ainda em 2016, apenas entendemos que o tamanho e o caráter desta ação precisará ter o tamanho que os nossos corações mandam. Precisará ter o aconchego e a vitalidade que nossos corpos possam aguentar. Precisará de igual dose de cura e de provocação. Precisará contemplar o silêncio e dançar na batucada. Precisará do coletivo e do individual vibrando na mesma frequência para que o esforço faça sentido.

Por isso, o texto de hoje não faz nenhuma promessa. Apenas sabe que, as mulheres e homens que puderem responder a um chamado do Vértice esse ano, serão aquelxs que precisam estar aqui conosco. Tantxs outrxs estarão em coração e mente. Tantxs outrxs em legado e guia. Pensaremos em algo, com certeza. Na perspectiva de uma luta longa, de uma travessia desgastante, o Vértice 2016 tem que ser, para nós e para quem vier, o lugar de se refazer, de arriar as armas por um momento, ganhar uma massagem e um beijo na testa e ouvir das outras mulheres que juntas continuaremos: em silêncio ou cantando, nas ruas ou nas casas, na cena ou na vida.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016



 do it yourself

  
Barbara Biscaro



Sento em frente ao computador, escrevendo mais um projeto para o Vértice. Ao longo dos últimos dez anos foram dezenas e dezenas de projetos cuidadosamente elaborados, exaustivamente trabalhados para tentar viabilizar financeiramente um projeto que faz parte da vida, que não é somente trabalho, mas uma forma de descobrir meu entendimento do mundo, da arte, do cotidiano, das relações.

O ano de 2016 entra no horizonte de nós quatro, organizadoras do Vértice Brasil, de uma forma diferente. Anos pares são os anos Vértice na última década. A caixa de e-mails já começa a pipocar com mulheres de todo o mundo perguntando as datas, como podem estar aqui, contando seus projetos e mandando material de trabalhos. A sensação de vazio deixada por 2015, ano em que as exaustivas horas de escrita de projetos e trabalho de produção não se converteram em um centavo sequer, tem sido explorada por aqui não como uma sensação de fracasso, mas uma sensação de balanço e de escuta: nós, que estamos continuamente reavaliando e medindo entre nós o sentido do Vértice, nos vimos em um momento particularmente povoado por extremos.
2015 foi um ano explosivo para as questões de gênero e feminismo no Brasil. As conquistas simbólicas que estes temas ganharam na internet e redes sociais, hashtags como #meuprimeiroassédio, ver milhares de mulheres empunharem a palavra feminismo com orgulho e propriedade, sem ranço ou rancores, lutando contra Cunhas e Bolsonaros, renovou a crença de que projetos como o Vértice são necessários no mundo atual. De que a invisibilidade está pouco a pouco se tornando visível, que os ativismos estão forçando a nossa percepção de mundo a se alargar. Quando tais questões aparecem, trazem à tona todo o ódio, a violência e o estarrecimento que o tocar em uma ferida tão profunda pode produzir. Incontáveis as vezes em que tivemos que nos defender publicamente por privilegiarmos a produção artística de mulheres, por acreditarmos em um trabalho em rede que possa renovar o sentido da circulação de trabalhos e conhecimentos artísticos em um mundo dominado por uma cultura que associa o sucesso de um@ ao obscurecimento d@ outr@.
Pois bem, chegamos em 2016. Um ano que já começa exausto, vazio, desgastado. O ano em que não temos nada a oferecer financeiramente falando: não podemos pagar cachês, não podemos viabilizar a presença de ninguém aqui conosco. Podemos mal pagar nossos alugueis, quanto mais trabalhar três ou quatro meses do ano gratuitamente para ver acontecer mais um Vértice. Dentro desta perspectiva nasce um sonho ligado a uma tática quase de guerrilha. Explico por que.
Porque a coletividade é o que salvará qualquer um de nós de uma suposta crise financeira. Abrir as janelas, olhar nos olhos d@ vizinh@ ao menos uma vez. Nos juntarmos, dividirmos nossas perdas e nossos ganhos nos torna mais fortes dentro da ideia de vulnerabilidade como força. A guerrilha significa agregarmos energias em um ativismo que se faz mais do que necessário em tempos obscuros. Não parar, para nós, não significa produzir a qualquer custo um outro evento de sucesso (e chorar escondida no armário, ficar doente, contrair dívidas), mas nos perguntarmos qual o “sucesso” que queremos alcançar. E dessa pergunta fazer nascer um Vértice cheio de escuta e afetividade.
Estamos sonhando alto para 2016: promover um ajuntamento de artistas mulheres em setembro, na cidade de Florianópolis, que acreditam no espaço que o Vértice construiu e que desejam compartilhar seus saberes e suas visões de arte e de vida. Dessa premissa, sonhamos um Vértice ativista. Não vão haver espetáculos, mas compartihamentos de processos, de visões de mundo e de arte que possam caber nos espaços e no tamanho que poderemos proporcionar, que vão tocar nos temas das violências, das invisibilidades e das ausências. Sonhamos em juntar estas artistas incríveis de todos os cantos do Brasil e do mundo e criar uma ação, uma performance, um manifesto, uma invasão: dezenas de mulheres levantando suas vozes e mostrando seus corpos no meio da cidade. Sonhamos em comer na rua, em dançar ao ar livre, em abraçar uma cidade que nos afasta. Queremos um Vértice punk, do it yourself. Porque se não for assim, não vai ser nada.
Nós estaremos aqui. Quem vai nos acompanhar nessa jornada? Não queremos materiais de espetáculos. Queremos presenças com desejo de passar uma semana criando e compartilhando uma visão de mundo a ser construída aqui, com muitas mãos e vozes. Para mim esse é o legado do Vértice: centenas de mulheres e seus desejos, dispostas a olharem umas para as outras.
Acho que finalmente entendo o que é conservadorismo: é aquela tentativa hercúlea de fazer voltar ao normal o que a vida acabou por virar de cabeça para baixo. É quando mentimos para nós mesmos que nada mudou ou que uma hora vai voltar ao que era antes. É quando nos inflexibilizamos e perdemos a oportunidade de viver no mundo que nos cabe agora, gastando energia em nome de ideais e desejos que já não possuem lugar. Os ativismos feministas e de gênero estão colocando a nossa percepção de sexualidade, de violência, de amor, de sociedade e de mundo de cabeça para baixo. Ou a arte e os modos de produção em que acreditamos se deixam permear por este estilhaçamento ou nos tornaremos as conservadoras que tanto criticamos ao longo da vida. Estar em crise significa ser obrigada a fazer escolhas que podem nos salvar. Que venha o Vértice 2016, um vértice extremo que une linhas díspares de afetividade e guerrilha, de precariedade e ousadia.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015


Matular: verbo intransitivo afetivo

Barbara Biscaro




É emblemático o fato do nome do Grupo Matula Teatro se relacionar com comida: matula que nutre, que aplaca uma fome, que preenche um vazio, que sustenta o corpo e a alma. As atrizes do Matula inventaram um novo verbo: em meu dicionário matular vai virar verbete; matular – verbo intransitivo que significa preencher, acolher, acalentar, dar à vista e aos ouvidos nutrição para um dia mais delicado, uma existência minimamente mais afetuosa.

O acalento é uma coisa delicada, pequena. No mundo de hoje o pequeno, o delicado, o suave não possui mais espaço: o espetacular, o grande, a pirotecnia dos sentidos é aquilo que confere valor às coisas. Olhar nos olhos de uma atriz, experimentar uma melancia embaixo da árvore, ouvir um poema ao pé do ouvido não são coisas valorosas hoje em dia. É pequeno, comezinho demais pra ser atribuído um valor. Eu nunca morei em casa; a goiaba caindo do pé suicidada de tanta madureza e uma conversa boa debaixo da jabuticabeira não fazem parte do meu imaginário infantil: talvez por isso esses momentos me encantem em um grau tão elevado. Fico embriagada de delicadeza e do cheiro adocicado das goiabas espatifadas.

O percurso do Matula me parece um percurso de atrizes. Profundamente interessadas nos outros, tiveram os olhos de olhar para fora de si e engolir mundos tão áridos (a rua, o campo, a periferia, o exílio) para regurgitar na cena pequenos universos condensados. Em tantos anos de vivência e reflexão no Projeto Vértice e na rede internacional The Magdalena Project, nos perguntamos continuamente: será que existe uma particularidade da produção cênica das mulheres? As respostas não se sustentam, apenas ganham novas perguntas, tais como: o que seria essa “mulher” que estamos falando? O estereótipo oferecido pela cultura, os processos do corpo que se ligam a aspectos únicos como a maternidade, a sexualidade que se manifesta como identidade a um primeiro olhar desavisado?

As atrizes do Matula, em sua condução, incorporam o cuidado, a nutrição e a beleza como procedimentos em arte – mas isso não significa que seja uma condução tipicamente feminina, já que tal coisa não existe, é um estereótipo. Isso apenas significa que nossa sociedade deu às mulheres a possibilidade de se manifestar por esses canais e elas têm exercido sua autoridade e seu poder através da espera, nutrição e acolhimento, uma forma de poder que eu, sempre tão combativa em meus procedimentos, invejo profundamente. Mesmo falando de mundos tão duros, capazes de estraçalhar o mais rígido coração, as atrizes do Matula me olham com aquela franqueza da mãe que diz às filhas e filhos: é isso que é o mundo, mas chega mais perto coração, senta ao meu lado – tem a tristeza mas podemos rir dela, tem a dureza mas tem uma alegria ali no fundo que nos permite ainda brincar. Só uma mãe muito madura e experiente pode oferecer isso. Se você está acostumado a ser tratado aos gritos, a ser chacoalhado para poder sentir algo diante da anestesia do mundo, matular vai lhe parecer, a um primeiro momento, morno e sem graça.  Vai parecer banal. Mas não se engane: após viajar o mundo todo, embriagar-se das sensações mais arrebatadoras, a pergunta que fica é: como sustentar a beleza em mim o tempo todo, como instalar a delicadeza em meu peito no cotidiano massacrante?

Daí vem o Matula, e ensina. Conduz o olhar nesse pequeno. Abre sua casa, seu coração e sua alegria em um gesto de generosidade. As atrizes sempre em busca, não me ensinam pelo produto do espetáculo, me ensinam pelo percurso da vida. É notório que artistas se movem pela inquietação diante do mundo, por um querer dizer. Mas é notório também que o teatro reside no como, e não no o quê. Como falar, mostrar, conduzir, receber e oferecer é o grande nó górdio de nossa profissão. Nesse sentido, ver significado no pequeno, para mim, é o desafio do momento em que vivemos na feitura da arte: em tempos de escassez de dinheiro, de incentivo, de ética, de água e de compaixão, o discurso muda, as formas de arte mudam. Se todos aspirarem à grandeza dos recursos e da matéria, brigaremos entre nós e afundaremos diante do peso das cenografias engenhosas e dos grandes orçamentos.

Bem, digamos que eu sou muito suspeita para falar disso. Adepta do espetáculo que cabe na mala e você pode carregar pelo mundo, me enquadro nessa categoria de gente viciada em gente, de gente que faz teatro para poder ter um motivo para encontrar os outros. Mas, com o perdão da piada, inventemos o teatro orgânico (na onda da salada e das frutas): feito em casa, pelo vizinho, aquele grupo de pessoas que mora ali na rua debaixo e é artista. Não minha senhora, eles não aparecem na televisão, não são daqueles de pedir autógrafo. Mas eles te acolhem na sua sede, eles te oferecem poesia e a tal melancia debaixo da árvore. Não basta? Por que ainda nesse mundo o espaço dessas pequenas delicadezas é tão restrito e maltratado? Por que não conseguimos atribuir um valor econômico a essas coisas que, assim como o alimento que sustenta o corpo, são partes do cotidiano capazes de dar sustento à alma, aplacar a solidão e o medo?

A movida do novo projeto do Matula, que deseja abarcar a vila em que está instalado e seus moradores no seu cotidiano de feitura da arte entra nesse critério. Tal projeto, para mim, aborda as raízes daquilo que muitas vezes não paramos para nos perguntar: para quem fazemos teatro? Quais as pessoas que gravitam ao meu redor, que se alimentam do que eu faço? Quais os modos de sobrevivência possíveis ao mudarmos de modelo de produção? Essas são perguntas continuamente discutidas dentro da rede Magdalena: como criar modos de sobrevivência e sentido nos mais diversos contextos em arte, como sair do centro e não sofrer com o estigma da periferia, do menor, do desimportante. Discursos e práticas de resistência. Não são absolutamente discussões de mulheres, mas são discussões que vejo continuamente serem encabeçadas por mulheres no teatro. Aquelas que se perguntam sobre o sentido das coisas e as respostas que encontram se refletem em suas estéticas, poéticas e modos de produção em teatro.

Doces resistências, conduzidas por mãos amorosas. Matulando, @s artistas do Matula preenchem um mundo. Prestam-se ao exercício da delicadeza, muitas vezes abrindo mão de uma identidade ‘única’ na direção de uma multiplicidade característica: somos muit@s, gostamos de pipoca com melancia, não tivemos medo de mudar com o tempo.

Para conhecer mais do Matula: http://grupomatulateatro.com/

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

 

NA METADE DO MUNDO

 

  * Marisa Naspolini



Escribo de Quito, Ecuador. Aquí ora hace frío ora hace calor. La temperatura cambia todo el día. Há uma piada local que diz: “Não gostou do clima de Quito? Caminhe três quadras.” Ou seja, parecemos cebolas que passam o dia se desfolhando e voltando a se cobrir novamente. Entramos no túnel com sol e saímos debaixo de chuva. É preciso andar com um pequeno guarda-roupa providencial na bolsa. Nisso que dá estar entre os trópicos com altitude de 3.000 metros. O cérebro – e o corpo – ficam meio confusos.

Há coisas muito curiosas que acontecem no marco 0 da Linha do Equador. A primeira delas é que há divergência sobre sua localização exata. Assim, a alguns quilômetros de Quito há dois “monumentos”, por assim dizer, que reivindicam para si o ponto geográfico exato em que os polos do planeta estão mais achatados e a Terra mais perto do sol. Um deles é o Museo Inti Nan, que representa o conhecimento da ancestralidade indígena da região. O outro é um monumento certificado pela comunidade científica internacional, que redefiniu a localização da latitude 00o00’00” através de equipamentos ultramodernos. Trata-se de um prédio de concreto com bandeiras e lojinhas de souvenir. 



Decidimos ficar no primeiro, o aparentemente genuíno, feito de cabanas indígenas e percursos naturais onde se pode fazer vários experimentos interessantes, como pular a linha (“estou no norte, estou no sul, no norte, no sul...”), brincar com a gravidade, colocando ovos em pé, lutando e sentindo a diferença do peso e da força do corpo dependendo de que lado você está. O bacana é que no hemisfério sul ficamos mais fortes (!). Há também a experiência com a água que desce reto, sem fazer redemoinho, na latitude zero. Tudo muito divertido. Mais ainda é fazer este percurso com um bando de mulheres criadoras e criativas, durante uma brevíssima pausa na programação do XI Encuentro de Mujeres Creadoras – Tiempos de Magdalena, promovido pela Fundación Mandragora.

O encontro já está na décima primeira edição, mas é a primeira vez que acontece em parceria com o Projeto Magdalena, o que lhe dá um caráter de estreia, de certa forma. O fato é que nos encontramos por aqui, mulheres de teatro e performance de todas as partes e latitudes, bem pertinho do sol, o que deve ter algum significado especial. Estamos, no mínimo, “calentadas”... Bem, um encontro Magdalena, respeitadas as diferenças geográficas e culturais, é sempre um encontro Magdalena. Multiplicidade de línguas e linguagens, acertos e desacertos, divergências e comunhão, falas e debates apaixonados recheados por histórias de vida e depoimentos instigantes. Além disso, exposição fotográfica, lançamento de livros, incursão por outras paragens e café, muito café, no Sweet & Coffee, nosso ponto de encontro informal, cujo nome nos faz refletir sobre a dolarização da moeda local. 






Estou preparando as malas. Minha cabeça está povoada de mulheres: atrizes, diretoras e dramaturgas que ocuparam muitas salas, as ruas e os meus pensamentos nos últimos dias. Dos encontros surgem afinidades, desejos de parcerias, projetos mirabolantes e quem sabe realizáveis (não duvido!), línguas inventadas, que misturam inglês, espanhol, português e italiano e produzem pérolas do tipo: Ecco, voy a calçar my shoes para salir. À mesa do jantar, degustando mezcal com grilos fritos (isso mesmo, trazidos do México por Violeta Luna), nos damos conta de que há seis encontros Magdalena previstos para acontecer em 2015: três no Brasil (Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro), além de Bogotá, Santiago e Montpellier. Durante a noite tive um pesadelo. Era puxada de um lado para o outro (seria algum trauma da experiência com a linha do Equador?) por mulheres que gritavam em línguas variadas e incompreensíveis. Tentavam me levar para todos esses lugares e eu, no meio (na metade do mundo?), olhava assustada para aquela confusão.

Acordei com vontade de silenciar, como sempre acontece depois desses encontros, invadida pelo desejo de calar-me por uns dias e digerir a experiência. Dei sorte. As imagens do espetáculo de Cristina Castrillo – If silence knew (Se o silêncio soubesse) – vão me acompanhar nessa tentativa. A delicadeza e a força de sua atuação sem palavras reforçam em mim a sensação de que o silêncio – sempre ele – é o melhor companheiro na volta pra casa. Mas também me acompanham as sábias palavras que ouvi de uma ex-presidiária durante a performance Dohter: “o amor não é um sentimento. Amar é uma decisão”. Aprendo, na metade do mundo, que a decisão cabe só a mim. Já posso ir embora. Gracias, Ecuador.

Quito, 8 de outubro de 2014.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

 

3 Caminos para explorar la fisura entre personaje y actriz



* por Beatriz Afonso



Me encuentro con mi cuerpo en el escenario y actúo,
no pienso en el cómo, simplemente lo hago.
Soy el personaje que todo el mundo ve
y la persona detrás que en ocasiones se asoma.



¿Cómo puedo mostrar a la persona en el escenario sin perder el juego teatral? ¿Dónde está esa fisura entre lo real y la ficción?
 
Este par de preguntas se presentan como un gran reto actoral que me planteo año tras año, y considero que se merecen un espacio escrito de reflexión con base en el conocimiento obtenido empíricamente.
 
En este breve ensayo trataré tres procesos distintos de aprendizaje y creación. Dichos procesos son: el encuentro con el clown a través de las enseñanzas de Alain Vigneau, el encuentro con el Suzuki de la mano de Maria Porter y el encuentro con varias imágenes, animales y objetos guiada por Ana Cristina Colla, Naomi Silman y Raquel Scotti del grupo LUME.

Primer camino: el encuentro con el clown
 
En el año 2009 recorrí durante 5 módulos intensivos “El Camino del Clown” de la mano del maestro francés Alain Vigneau.
 
En el primer módulo iniciamos el trabajo con un ejercicio grupal, que consistía en movernos libremente por el espacio al ritmo de la música y poco a poco teníamos que ir construyendo físicamente tres figuras; la primera expresando lo que nos oprime, la segunda cómo nos presentamos ante los demás y la tercera lo que nos podría liberar de las dos anteriores.  Las figuras podían ser tanto internas como externas, reales o simbólicas.
 
1ra figura: Verdugo/Víctima.
 
Rápidamente percibí esta imagen interna dual que me acompaña a menudo. Tiene dos caras, una es una dictadora con látigo que me exige ser perfecta, me llena de culpa, me insulta y me riñe, y la otra es su víctima, encorvada y cabizbaja, como una esclava que carga un peso enorme.
 
2da figura: La diva soberbia.
 
También es una figura interna que refleja uno de los rasgos más significativos de mi carácter, la necesidad de aprobación. Se manifestó como una figura amplia y soberbia, similar a una diva que busca el reconocimiento y el alago.
 
3ra figura: El agradecimiento.
 
Esta figura fue la que más me sorprendió tanto por su simbolismo como por el hecho de no haberla percibido antes en mi vida. La construcción física se basó en un gesto de humildad y  generosidad, una especie de reverencia con la mano extendida dando las gracias.
 
Durante los 5 módulos del camino me planteé constantemente la siguiente pregunta,  ¿cómo pueden estas figuras tan personales formar parte de mi payasa?, y no fue sino al final del proceso que obtuve la respuesta.
 
El trabajo del camino del clown estuvo muy ligado a la arte-terapia. Exploramos diversas fases del  clown mezclando juegos, técnica escénica y herramientas de la terapia Gestalt. Recorrimos estas fases siempre desde la improvisación. Pasamos por el patetismo, la confianza, la escucha, la presencia en escena, el intercambio de roles y  finalmente llegamos al encuentro con el público.



A lo largo de todo el proceso me acompañó continuamente un sentimiento de fracaso y de distanciamiento del grupo. En los cuatro primeros módulos participaba en las improvisaciones buscando destacar, ganar reconocimiento, pensando en tácticas para sorprender y en dónde introducir el gag para conseguir la risa. No era capaz de asimilar que la espontaneidad no se planifica y que el grupo en todo momento veía con claridad a la actriz en lucha con dos figuras personales: la diva soberbia que busca el reconocimiento y la dictadora/víctima que no se permite la equivocación.
 
Finalmente en el último módulo, durante la muestra abierta al público, apareció por unos instantes mi payasa. Esto ocurrió cuando sentí que ya todo estaba perdido y bajé las defensas. Me preparé sin esmero para salir a escena, me vestí vulgar y exagerada y me permití mostrar con sinceridad a la payasa “Sexy Bomb” grotesca que deliberadamente busca el alago. Una payasa prepotente y descarada que cuando fracasa se desmorona y demuestra que no puede mantener el rol de diva todo el tiempo. En el fondo mi payasa lo que busca es ternura, cariño y protección.
 
En ese momento  ocurrió la magia; en escena estaban presentes la payasa y la mujer detrás de ella. Se percibía la debilidad de ambas y eso es lo que las hacía más fuertes.
Esta experiencia me ayudó a liberarme de la fuerte pretensión que he cargado durante años a la hora de salir a escena, porque me permití mostrar con humildad y reconciliación un aspecto personal que me avergonzaba y con el cual no quería ser identificada.
 
De esta forma descubrí cómo es posible que la máscara cobre vida y que la persona que está detrás se asome en ocasiones, pero sin poner en evidencia la lucha de la segunda por llevar el timón.

Segundo camino: encuentro con el Suzuki

Cuatro años después de haber andado El Camino del Clown, en el año 2014, realicé en el espacio Residui Teatro (Madrid) un taller breve de introducción al Suzuki: “Interpretación/Alquimia, convertir el hierro en oro” con la estadounidense María Porter, actriz, directora, profesora y una participante activa de la red Magdalena Project.
 
Contrario a lo que imaginaba, el Suzuki no es un entrenamiento únicamente para aprender a realizar movimientos con precisión y para aprender a desplazarnos por el espacio. El trabajo con María además de darnos herramientas para entrenar el cuerpo y la mente, sobre todo la concentración, fue siempre enfocado a entender que el Suzuki es un calentamiento que genera una energía interpretativa apta para trabajar directamente en escena, manejando, entre otros, los siguientes principios: 

-Generar gran cantidad de energía y almacenarla en el vientre. Mantenerla activa en todo momento y solo cambiar la calidad de la misma.
-Proyectar una imagen en el horizonte y utilizarla como foco.
-Colocar a un “Dios de la perfección” al fondo de la audiencia y tenerlo como referencia en los momentos de debilidad. Esta imagen unida a la del punto anterior nos dará un impulso que nos permitirá ir más allá cuando estemos cansados.
-Identificar y permitirnos momentos de debilidad/equivocación, porque buscamos hacer evidente ese punto donde se percibe la lucha entre el personaje y el actor/actriz.
 
Este último principio que trata la relación de ruptura entre personaje y actriz me remitió al hallazgo encontrado en El Camino del Clown, pero en esta ocasión partiendo desde un punto totalmente distinto.
 
Durante el taller de Suzuki el objetivo era buscar la perfección y mantener siempre una imagen como foco. Consistió en un entrenamiento físico consciente basado en: la construcción precisa de las formas, el reconocimiento de la fuerza que se genera al golpear con firmeza el suelo con los pies, y las posibilidades de movimiento al llevar el cuerpo continuamente del equilibrio al desequilibrio.
 
El Suzuki reta al cuerpo y lo lleva al límite, y me enseñó con sus principios que puedo ir un poco más allá cuando estoy a punto de renunciar. Es en ese instante en el que se abre una pequeña ventana que permite ver a la persona esforzándose por sostener el personaje y los momentos de respiro para ambos.

Tercer camino: encuentro con imágenes, objetos y animales.

Unos meses más tarde, durante el mismo año 2014, me sumergí en un taller de entrenamiento actoral intensivo con tres mujeres muy inspiradoras, Ana Cristina, Raquel y Naomi, actrices de la compañía LUME. Este taller formó parte del encuentro bienal de mujeres creadoras Vértice (red Magdalena Project) que tiene lugar en Brasil.
 
Durante 6 días exploramos diferentes técnicas desarrolladas por el grupo LUME que sirven como herramientas de construcción escénica. La finalidad del trabajo era crear a partir de imágenes, animales y objetos, pequeñas escenas relacionadas al imaginario del hogar. Estos elementos de trabajo le resultan familiares a la mayoría de las personas que han tenido algún tipo de formación teatral gestual, sin embargo, la riqueza de la experiencia con estas mujeres es la forma en que integran estos elementos junto con juegos de espacio, coordinación, manejo del centro energético, relación coral, ritmo, presencia y por último el uso de la voz. Su línea de trabajo se deriva de Grotowski y de la danza-teatro Butoh.



Primero viví la experiencia con mucha euforia porque me sentía muy presente en el trabajo, interactuando con el grupo y siempre en acción. La dinámica del entrenamiento me obligaba a concentrarme para reaccionar a los estímulos propuestos y no tenía tiempo para perderme en las trampas de mi mente.
 
Comenzamos entrenando 16 mujeres juntas en un mismo espacio, en ocasiones más cuando las profesoras se unían, y descubriendo las posibilidades de movimiento en el mismo. Experimentamos momentos de aceleración y freno, cambios de dirección y proyección de  impulsos, la fijación del centro energético, la atención periférica, la mímesis de imágenes y las posibilidades de juego con las mismas.
 
Hasta aquí todo bien. Camuflada dentro del grupo y jugando en todo momento con las premisas dadas me sentía muy cómoda. Estaba recobrando fuerza y resistencia física y sorprendiéndome con algunas imágenes internas que aparecían.
 
La complicación llegó al comenzar con el trabajo individual. Fue entonces cuando me visitaron los viejos hábitos; empecé a buscar la perfección en la construcción del animal, a exigirme en muchos momentos excesiva precisión y a forzar la interacción con otras compañeras. Terminé en ocasiones sintiendo que no había comunicación real sino que solo estaba pendiente de las miradas externas.
 
Por suerte pude sumergirme de nuevo con placer en el trabajo al interactuar con los objetos. La propuesta era jugar con sus cualidades para darles usos diferentes. Debíamos explorar cómo podían manifestarse en nuestros cuerpos, por ejemplo, ¿cuál podría ser la corporalidad de un objeto duro, frío, maleable, áspero, ligero, que hace ruido al manipularlo, etc.? Este proceso me hizo reencontrarme con un espacio íntimo doloroso, una parte del hogar en mi memoria marcado por la pérdida. Con estos tintes trágicos me vi luchando entre momentos sobre actuados, y esos instantes de verdad en los que la imagen estaba muy clara y la atención en las miradas externas se difuminaba.
 
Pensé que había hecho un hallazgo poderoso porque estaba creando a partir de algo importante para mí, para sanar, sin embargo no era capaz de comunicárselo a los demás. Entonces me pregunté, ¿es válido este tipo de trabajo o necesito siempre estar pensando en cómo conectar con el espectador? Esa duda aún no consigo despejarla del todo.
 
En los días siguientes improvisamos utilizando historias personales. Allí compartí una experiencia con la que el grupo empatizó y las profesoras me sugirieron que aprovechara ese material en el trabajo individual. En ese momento reviví el mismo conflicto del Camino del Clown, el de integrar y evidenciar mis debilidades personales en el proceso creativo en lugar de luchar por ocultarlas.  Comenzó de nuevo el vértigo, el vicio de maquillar la verdad y de teatralizarla.
 
Al final, no trabajé mucho más en esta línea porque terminamos centrándonos en otros aspectos de la exploración gestual, pero fue la tercera llamada de atención para intentar descifrar cómo se llega a ese punto en el que se puede ver a la actriz y al personaje juntos, de la mano, construyendo un mismo discurso.

¿Cómo puedo aunar, la experiencia del clown riéndose de su patetismo, el entrenamiento del Suzuki moldeando la energía del cuerpo en movimiento y el trabajo con LUME integrando mi voz, para poder mostrar a la persona en el escenario sin perder el juego teatral?
 
Esta es una pregunta abierta que considero no tiene una respuesta única. A partir de estos tres  encuentros aprendí que el camino para explorar la fisura entre el personaje y la actriz no tiene fin, sino muchas paradas en las que puedo retomar y re-interpretar estas enseñanzas para enriquecer mi experiencia artística y personal.
 


***



* Beatriz Afonso Santos- graduada en Arte Dramático, especialidad Dirección de Escena, por la Universidad de Kent (Inglaterra – sede Madrid). Co-fundadora del grupo Áncora Teatro en España (2007). Ha trabajado como intérprete  y directora en Venezuela, España, Brasil, Australia y Canadá. Enfoca su investigación en diversas líneas de trabajo corporal dentro del teatro y en las relaciones de las mujeres con su feminidad y masculinidad.





segunda-feira, 19 de maio de 2014


Sobre malas, heranças e presenças

Por Barbara Biscaro



Arrumar as malas para viajar é uma tarefa muitas vezes complicada. No aeroporto, em uma dessas situações de espera que esses locais nos obrigam de vez em quando, comecei a pensar que o limite de bagagem imposto para o viajante – além de respeitar uma necessidade técnica relacionada ao peso do avião e afins – propõe um exercício de escolha imposto a cada pessoa que se propõe a se deslocar. Ao mover-se de um lado para o outro, você tem que selecionar objetos, roupas ou pertences que obedecem a critérios tanto relacionados à necessidade (como calcinhas e escova de dentes) quanto a outros fatores mais intuitivos ou caóticos, a fim de organizar em um espaço definido essas coisas que nos rodeiam e chamamos de ‘nossas’.

Uma residência artística pode ser encarada como uma viagem: aqui no caso me refiro à experiência de seis dias intensivos com a atriz cantora e diretora Linda Wise (França) realizada no Vértice 2014. Mergulhar no universo técnico e no imaginário estético/artístico de uma artista por esse período demanda não só o desejo de ‘conhecer’; demanda um desejo de viajar para um lugar que só existe com aquela condução, construído com aquelas pessoas reunidas naquele tempo e espaço. Não é nada turístico, portanto: os registros empreendidos nessa jornada são construídos em movimento e se relacionam intimamente com cada um, se constituindo muito além de uma mera reprodução ou revisitação - como as intermináveis fotos de viagem que às vezes colecionamos, imóveis.

Nesse sentido, viajar com Linda foi uma grata experiência. Todos trouxeram suas malas – conhecimentos técnicos, necessidades, desejos, canções, textos, memórias – e fomos convidados a deixar o excesso do lado de fora e entrar somente com o essencial. Mergulhar leve – possibilitando um nado suave e livre – essa foi a ordem do dia.

Tomar todo o tempo do mundo para abrirmos nossas bocas, ouvidos, mãos, peitos. Tomar todo tempo do mundo para ouvir o outro, pacientemente. Tomar todo o tempo do mundo para chorar e desse choro perceber que havia um excesso de peso que insistimos em carregar em nossas bagagens pessoais. Perceber quando é hora de ir em frente, desafiar-se e quando é hora de parar e não exigir tanto de si mesma.

A condução de Linda é marcada por um equilíbrio entre manter o foco no grupo e em trabalhos individuais, nos convidando a experimentar. Uma condução delicada e bela; a presença de Linda representou para mim a união entre dois mundos: de um lado o universo pessoal da artista e suas questões de interesse estético e técnico (como a conexão entre voz e musicalidade, entre os campos do teatro e da música). Do outro lado a herança do trabalho vocal junto ao Roy Hart Theatre, que é uma das grandes referências em pesquisa vocal para a cena no contexto europeu do século XX – começando lá em meados de 1930 com o alemão Alfred Wolfsohn.

Essa mistura entre o passado e o presente, entre herança e presença, foi uma das características dessa experiência. Não deixar as malas tão pesadas a ponto de não poderem ser carregadas por aí, nem as deixar tão leves a ponto de não perceber aquilo que nos conecta com nossos locais de origem, nossas raízes (por mais nômades que sejamos). Mas como se sabe, é difícil saber arrumar as malas. Tarefa engenhosa, que talvez se aperfeiçoe ao longo de uma vida.

terça-feira, 29 de abril de 2014

26 de abril de 2014 | Diário Catarinense
DAS ARESTAS E VÉRTICES

Das arestas e Vértices
Festival chega aos 10 anos e se consolida como um campo de ação das mulheres na arte.


O projeto Vértice Brasil completa dez anos de existência. Neste período foram realizados bienalmente quatro eventos intitulados Vértice Brasil – encontro e festival internacional de teatro feito por mulheres e outras ações como residências artísticas e a criação de uma rede de mulheres artistas no Brasil. Um novo encontro, que ocorreu de 6 a 13 de abril na capital, torna necessária uma reflexão sobre esta iniciativa.

O Vértice Brasil nasce do Magdalena Project, rede que incentivou e deu suporte ao amadurecimento do projeto, doando modos de organização e visões de um mundo que pensa a visibilidade e os campos de ação da mulher na arte. Da rede Magdalena vieram questões simples, mas com respostas complexas: qual o lugar da mulher na produção estética/poética/técnica das artes cênicas hoje? Quais as referências femininas nas artes e quais seus legados? Qual a visibilidade da produção de conhecimento por parte de mulheres, seus registros e seus modos de difusão?

As discussões sobre o feminismo sempre estiveram dentro do Magdalena Project e do Vértice. Ambos os projetos não reforçam uma única versão do pensamento feminista –pontuando que existem diversas formas de exercer um posicionamento feminista na arte. Em um âmbito mais abrangente, ambas as iniciativas abrigam artistas com abordagens diversas: desde mulheres que se assumem ativistas do feminismo até artistas que se dedicam às discussões estéticas para a cena, reforçando posições de liderança.

Não assumir um pensamento único sobre o ser mulher, no contexto do Projeto Vértice, pode torná-lo ambíguo: ter os fios soltos demais pode deixar as discussões perderem criticidade e urgência. Mas deixar que as discussões flutuem em um campo mais aberto muitas vezes deixou vir à tona a diversidade de conceitos e de convicções acerca do ser mulher e da construção de uma noção ampliada de gênero; diversidade esta não só pautada pelo domínio dos termos e conceitos principais dos estudos de gênero e feminismo, mas em sensações, em vivências, em potências surgidas em cena, em transgressões, em dúvidas.

Separar o mundo entre masculino e feminino pode gerar distorções graves do foco da discussão sobre gênero e feminismo e reforçar inúmeros clichês implícitos em nossa cultura. A expressão do ser mulher como a imagem da suavidade e da fluidez, em oposição à expressão do ser homem com a ação enérgica e a agressividade, não é só um clichê grosseiro amplificado por propagandas de desodorante e absorvente íntimo: é uma das informações com as quais devemos lidar ao perguntar quais as questões que vêm ocupando as mulheres artistas hoje. Os espaços construídos pelo Projeto Vértice Brasil revelam a multiplicidade de interesses que essas mulheres possuem e a diversidade de formas de expor/condensar esses pontos de vista. Em nossos encontros existem mulheres que falam de violência, negação dos direitos básicos, opressão religiosa e cultural e objetificação da mulher em diversas partes do mundo. Mas também é possível ver e ouvir mulheres que falam de técnicas de atuação, estética teatral, estudos de dramaturgia e produção cultural, ocupando um espaço de produção de conhecimento e arte que há pouco mais de um século era reservado exclusivamente aos homens.


Vértice Brasil

Foi criado em Florianópolis por Marisa Naspolini, Monica Siedler, Barbara Biscaro e Gláucia Grigolo e produz bienalmente um encontro e festival de teatro feito por mulheres. Além disso, o projeto também apoia e participa de encontros, residências artísticas e outros eventos no Brasil e no mundo.

Magdalena Project

É um espaço de discussão, troca e apoio que visa dar visibilidade ao trabalho artístico de mulheres. Desde seu surgimento, mulheres de teatro têm se engajado em projetos que criam espaço para colaboração artística, gerando encontros e festivais em locais como Chile, Argentina, País de Gales, Dinamarca etc. Festivais, encontros, livros, filmes e um site são ações do projeto www.themagdalenaproject.com


POR BARBARA BISCARO