sexta-feira, 15 de janeiro de 2016



 do it yourself

  
Barbara Biscaro



Sento em frente ao computador, escrevendo mais um projeto para o Vértice. Ao longo dos últimos dez anos foram dezenas e dezenas de projetos cuidadosamente elaborados, exaustivamente trabalhados para tentar viabilizar financeiramente um projeto que faz parte da vida, que não é somente trabalho, mas uma forma de descobrir meu entendimento do mundo, da arte, do cotidiano, das relações.

O ano de 2016 entra no horizonte de nós quatro, organizadoras do Vértice Brasil, de uma forma diferente. Anos pares são os anos Vértice na última década. A caixa de e-mails já começa a pipocar com mulheres de todo o mundo perguntando as datas, como podem estar aqui, contando seus projetos e mandando material de trabalhos. A sensação de vazio deixada por 2015, ano em que as exaustivas horas de escrita de projetos e trabalho de produção não se converteram em um centavo sequer, tem sido explorada por aqui não como uma sensação de fracasso, mas uma sensação de balanço e de escuta: nós, que estamos continuamente reavaliando e medindo entre nós o sentido do Vértice, nos vimos em um momento particularmente povoado por extremos.
2015 foi um ano explosivo para as questões de gênero e feminismo no Brasil. As conquistas simbólicas que estes temas ganharam na internet e redes sociais, hashtags como #meuprimeiroassédio, ver milhares de mulheres empunharem a palavra feminismo com orgulho e propriedade, sem ranço ou rancores, lutando contra Cunhas e Bolsonaros, renovou a crença de que projetos como o Vértice são necessários no mundo atual. De que a invisibilidade está pouco a pouco se tornando visível, que os ativismos estão forçando a nossa percepção de mundo a se alargar. Quando tais questões aparecem, trazem à tona todo o ódio, a violência e o estarrecimento que o tocar em uma ferida tão profunda pode produzir. Incontáveis as vezes em que tivemos que nos defender publicamente por privilegiarmos a produção artística de mulheres, por acreditarmos em um trabalho em rede que possa renovar o sentido da circulação de trabalhos e conhecimentos artísticos em um mundo dominado por uma cultura que associa o sucesso de um@ ao obscurecimento d@ outr@.
Pois bem, chegamos em 2016. Um ano que já começa exausto, vazio, desgastado. O ano em que não temos nada a oferecer financeiramente falando: não podemos pagar cachês, não podemos viabilizar a presença de ninguém aqui conosco. Podemos mal pagar nossos alugueis, quanto mais trabalhar três ou quatro meses do ano gratuitamente para ver acontecer mais um Vértice. Dentro desta perspectiva nasce um sonho ligado a uma tática quase de guerrilha. Explico por que.
Porque a coletividade é o que salvará qualquer um de nós de uma suposta crise financeira. Abrir as janelas, olhar nos olhos d@ vizinh@ ao menos uma vez. Nos juntarmos, dividirmos nossas perdas e nossos ganhos nos torna mais fortes dentro da ideia de vulnerabilidade como força. A guerrilha significa agregarmos energias em um ativismo que se faz mais do que necessário em tempos obscuros. Não parar, para nós, não significa produzir a qualquer custo um outro evento de sucesso (e chorar escondida no armário, ficar doente, contrair dívidas), mas nos perguntarmos qual o “sucesso” que queremos alcançar. E dessa pergunta fazer nascer um Vértice cheio de escuta e afetividade.
Estamos sonhando alto para 2016: promover um ajuntamento de artistas mulheres em setembro, na cidade de Florianópolis, que acreditam no espaço que o Vértice construiu e que desejam compartilhar seus saberes e suas visões de arte e de vida. Dessa premissa, sonhamos um Vértice ativista. Não vão haver espetáculos, mas compartihamentos de processos, de visões de mundo e de arte que possam caber nos espaços e no tamanho que poderemos proporcionar, que vão tocar nos temas das violências, das invisibilidades e das ausências. Sonhamos em juntar estas artistas incríveis de todos os cantos do Brasil e do mundo e criar uma ação, uma performance, um manifesto, uma invasão: dezenas de mulheres levantando suas vozes e mostrando seus corpos no meio da cidade. Sonhamos em comer na rua, em dançar ao ar livre, em abraçar uma cidade que nos afasta. Queremos um Vértice punk, do it yourself. Porque se não for assim, não vai ser nada.
Nós estaremos aqui. Quem vai nos acompanhar nessa jornada? Não queremos materiais de espetáculos. Queremos presenças com desejo de passar uma semana criando e compartilhando uma visão de mundo a ser construída aqui, com muitas mãos e vozes. Para mim esse é o legado do Vértice: centenas de mulheres e seus desejos, dispostas a olharem umas para as outras.
Acho que finalmente entendo o que é conservadorismo: é aquela tentativa hercúlea de fazer voltar ao normal o que a vida acabou por virar de cabeça para baixo. É quando mentimos para nós mesmos que nada mudou ou que uma hora vai voltar ao que era antes. É quando nos inflexibilizamos e perdemos a oportunidade de viver no mundo que nos cabe agora, gastando energia em nome de ideais e desejos que já não possuem lugar. Os ativismos feministas e de gênero estão colocando a nossa percepção de sexualidade, de violência, de amor, de sociedade e de mundo de cabeça para baixo. Ou a arte e os modos de produção em que acreditamos se deixam permear por este estilhaçamento ou nos tornaremos as conservadoras que tanto criticamos ao longo da vida. Estar em crise significa ser obrigada a fazer escolhas que podem nos salvar. Que venha o Vértice 2016, um vértice extremo que une linhas díspares de afetividade e guerrilha, de precariedade e ousadia.

Um comentário:

  1. há quantas anda a preparação/ organização p o vértice de setembro desse ano? Faço parte de um grupo de estudantes do curso de Cênicas da Uel e estamos querendo participar e ajudar no q foi possível.

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