quinta-feira, 17 de novembro de 2011


Uma Ofélia portenha


Marisa Naspolini



Ofélia é uma personagem de Shakespeare que integra a tragédia Hamlet, considerada a obra mais densa – e provavelmente a mais representada – do dramaturgo bardo. Na peça, Ofélia é a noiva do protagonista e vive um romance tumultuado em meio às conturbadas relações de poder presentes no Reino da Dinamarca do século 16. Colocada em segundo plano na trama, Ofélia ganhou muito interesse por parte de pintores no decorrer dos séculos e é considerada a personagem de Shakespeare mais retratada na pintura. Em Hamlet, ela é encontrada afogada em um rio e sua morte é dada como suicídio. Ofélia é normalmente vista como uma heroína frágil, bela, suave, o arquétipo da donzela indefesa. Recentemente, historiadores britânicos afirmaram que a sua história teria sido inspirada em um caso real, um afogamento acontecido no Rio Avon, próximo a onde Shakespeare viveu. A morta (de verdade) seria provavelmente uma prima distante do escritor.

Ofélia é também o nome de um espaço de arte – Ofelia Casa Teatro – localizado em Palermo Soho, em Buenos Aires, onde se pode desfrutar de uma programação permanente em diversas áreas: teatro, audiovisual, dança, fotografia e artes plásticas. O lugar é acolhedor e inspirador, uma casa, como o próprio nome indica. Uma casa estilosa de dois andares feita de amplas salas com sofás e poltronas confortáveis e uma decoração descolada e pop que possibilita encontros ao redor de um café enquanto se espera pela hora do espetáculo que acontece na sala ao fundo, que comporta um público pequeno, de mais ou menos 50 pessoas. Palermo Soho é um bairro frequentado por artistas, intelectuais e boêmios, pontuado também pelo mercado de moda alternativa chique e descolada. A proliferação de bares, cafés e lojas de arquitetura singular lembra, não por acaso, o Soho original, agora transformado em adjetivo e copiado mundo afora.


Vale lembrar: em Nova York, SoHo significa South of Houston e designa uma área de Manhattan, ao sul da Rua Houston, que abriga uma infinidade de galerias, lofts de artistas e lojas bacanas. No início do século 20, a região estava repleta de galpões e armazéns abandonados e sua transformação foi considerada um exemplo de revitalização urbana. O Soho londrino também é um bairro tradicionalmente ligado às artes e à efervescência intelectual. Por ali passaram nomes e ocorreram movimentos importantes que mexeram com o pensamento e a moral ocidental.

Ofélia é ainda o nome que a professora de crítica literária e performer radicada em Brasília Lucia Sander escolheu para dar a seu espetáculo, que propõe uma versão inusitada e atualizada para a história renascentista da Ofélia de Shakespeare. Quatrocentos anos depois Ofélia volta à cena para esclarecer as circunstâncias de sua morte– seria um assassinato? Em Ofélia Explica ou O Renascimento Segundo Ofélia, Lucia ressuscita Ofélia, agora escondida na periferia carioca, usando e abusando de gírias e jargões do rap, com pistola em punho e um cigarro nas mãos. Com humor e um tom crítico, mordaz, a performer traz a personagem para o centro da cena, revisando junto ao público a sua história de opressão. Ao invés de frágil e indefesa, Ofélia tem voz ativa e clama por seus direitos – no mínimo de ser ouvida.

Lucia Sander em Ofélia explica

Durante alguns dias, no Soho portenho, o nome de Ofélia pareceu resumir – ou traduzir – uma experiência contemporânea em arte na qual a mulher rediscute e reescreve sua história, criando uma nova identidade para si. Deu o que pensar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário