terça-feira, 12 de novembro de 2013

Sobre Encontros

Barbara Biscaro
 11/11/2013


Recentemente lendo uma entrevista do ator polonês Zygmund Molik (integrante do Teatr Laboratorium, de Jerzy Grotowski), concedida a Eduardo Campo e, publicada em 2010 pela Routledge, fiquei com uma das suas respostas martelando em minha cabeça por vários dias. Molik, ao ser perguntado sobre o que aprendeu no período em que frequentou a Warsaw Academy of Theatre, na Polônia, responde:

"I think I can give you an example: just before leaving the theatre school a professor told me that it isn’t important what you’ve learnt in the school, but it is important who you were there with. I mean, with whom you have dealt, who you had contact with, who influenced you. That’s the most important thing, not how much someone has taught to you". (MOLIK, 2010, p. 21).

Os encontros - mais do que os conteúdos, os programas, as avaliações – podem se tornar a parte mais importante da formação de um artista. Ainda mais quando falamos em artes performativas, em técnicas corporais, em criação, em compartilhamento: encontrar o outro é sempre algo pontual, particular. Puxando da memória, talvez cada um possa listar alguns poucos nomes, dos encontros realmente significativos que teve em seu processo de formação. Mas os nomes de professores ou de colegas, pode se tornar uma lista imensa, uma massa amorfa de nomes e fatos nem sempre distinguíveis que mesmo conformando um conjunto de experiências importantes, é sempre geral. O encontro também não precisa ser com pessoas vivas ou presenciais, ou nem precisa ser com pessoas: pode-se encontrar espaços, cidades, situações, objetos; nem precisa ser positivo e trazer sentimentos ou ações benéficas; o encontro pode também ser unilateral, descompensado. A perspectiva de cada encontro é sempre única e suas reverberações são imprevisíveis: porque o tempo que um encontro reverbera em nosso corpo nem sempre é calculável, porque os encontros em si, dentro da sua imensa banalidade, podem provocar grandes estremecimentos.

O filósofo Baruch Espinoza, em sua Ética, fala dos bons e dos maus encontros. Espinoza, distanciando-se de um moralismo dual, busca tecer o argumento de que as pessoas ou os encontros em si não possuem nenhuma característica essencialmente boa ou má: são os embates entre pessoas e encontros que podem causar ações/sensações boas e ruins; ou seja, o espaço do encontro nunca se constitui como uma coisa única: bom para uns, ruim para outros, intenso ou frustrante, um mesmo espaço de encontro - constituído de um núcleo muitas vezes restrito - pode gerar um número infinito de combinações.

Os espaços de encontro não são simples de serem criados. Diversas iniciativas do Projeto Magdalena vêm experimentando formas de proporcionar espaços profícuos para encontros entre artistas, algumas vezes com êxito, outras vezes nem tanto. Porque o espaço do encontro, além de requerer um pensamento sobre (uma forma de organizar a rotina, um modo de combinar as pessoas no espaço ou no tempo, uma maneira de permitir que um certo caos aconteça), é um espaço sempre construído coletivamente. No caso dos eventos Magdalena, ações simples buscam reforçar um espaço amplo para os encontros: as refeições sempre conjuntas, tarefas coletivas, hospedagem em comum, a permanência das artistas durante todo o percurso. Esses momentos mais construídos acabam reverberando em outros encontros, esses já imersos no caos da vida: espetáculos que nascem em parcerias inter-continentais, vizinhas que não se conheciam e passam a pesquisar juntas redescobrindo sua própria terra natal.

Pensar o encontro como forma de aprendizado e de formação é procurar sair da linearidade dos conteúdos e dos programas, buscando no desvio e na intuição formas de aprender sobre si e sobre o outro. Admitir o encontro como formação é apostar na autonomia, buscando muito além de avaliações ou títulos concedidos, um amadurecimento de posturas artísticas no mundo, que reverberam escolhas éticas, políticas e estéticas. Encontrar pessoas, situações, sensações, cidades, línguas, danças, cantos, significa carregar em si um universo sempre pronto para entrar em colisão, preparado ou não para despedaçamentos ou acoplamentos surpreendentes. Entrar em um mundo onde os encontros são possíveis é despedaçar-se, sempre realinhando uma nova-velha combinação de si mesma. Criar os espaços de encontro em iniciativas como o Projeto Magdalena e o Vértice Brasil, é procurar criar um espaço seguro o suficiente para permitir o estilhaçamento e caótico o suficiente para propor infinitas formas de re-combinação. Espaços raros de formação, quase fugidios: porque quem os constrói são pessoas, em seu próprio tempo, em um dado espaço, sempre cheio de infinitas possibilidades.

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