sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Por quê?

Com certa frequência ouço perguntas do tipo: por que as mulheres se reúnem em fóruns específicos? Por que fazer um festival de teatro dedicado à produção de mulheres? Por que comemorar o dia da mulher? Por que delegacia exclusiva para mulheres? Seria uma tentativa de separatismo? Necessidade de autoafirmação? Guerra dos sexos? Feminismo fora de moda? Não, pelo contrário. As mulheres se organizam porque durante séculos, ou mesmo milênios, sua participação política e social foi não só reprimida, mas frequentemente proibida.

Na história do teatro, por exemplo, a possibilidade de o público ver uma mulher em cena só surgiu no século 17, no teatro inglês, quando o rei Charles II autorizou a primeira mulher a interpretar papéis femininos, até então vividos por homens. E a história do teatro remonta a pelo menos cinco séculos antes de Cristo. Não é de se admirar que nos livros de teatro só apareçam mestres homens. E assim é na maioria das áreas. Muitas vezes ouvimos que já não há porque seguir lutando por espaços para a mulher, que hoje já há igualdade de oportunidades entre os sexos (temos até uma presidente mulher!). Não é verdade. Há menos de 50 anos que as mulheres começaram a ocupar postos antes exclusivamente masculinos. São milhares de anos de vida restrita ao espaço doméstico contra algumas décadas de tentativa – e eventualmente efetiva – ocupação de espaços públicos. Certamente não se trata de excluir os homens, mas de encontrar espaços nos quais uma outra lógica – ou modo de pensar – possa prevalecer, ou pelo menos ser considerada, ainda que temporariamente. As mulheres são maioria no planeta, mas obviamente falamos apenas do aspecto quantitativo, porque continuamos compondo uma minoria no sentido do exercício pleno da cidadania na maioria dos países.

Espaços específicos servem não para segregar, mas para garantir que a voz de minorias seja ouvida com força, respeito e, se possível, com segurança. Outro dia li um artigo da escritora Rosiska Darcy de Oliveira, célebre defensora dos direitos das mulheres, no qual ela comentava que, compreensivelmente, “as escolhas sobre a maternidade, as condições da gravidez e do parto, as leis que tolhem ou propiciam liberdades, o temor atávico da violência sexual ocupam, nas vidas das mulheres, uma centralidade. (...) O útero é o primeiro meio ambiente que o ser humano conhece e não por acaso o corpo tem tamanha importância na vida das mulheres.”

Você já parou pra pensar que um em cada quatro lares britânicos abriga um caso de violência doméstica contra a mulher? Que nos Estados Unidos 300 mil crianças e adolescentes sofrem abusos sexuais anualmente, entre os quais quatro mil são de incestos de pais com filhas? Que na França 25 mil mulheres são violentadas a cada ano? Que em Santa Catarina uma mulher é vítima de violência doméstica a cada 46 minutos? Que em Zâmbia, cinco mulheres são assassinadas por semana por seus parceiros ou alguém próximo? Estes dados não fazem parte de regiões inóspitas, miseráveis e distantes. Fazem parte do nosso cotidiano, aqui e agora. São questões éticas nas quais o privado ganha dimensões políticas.

É inacreditável chegarmos ao século 21 e ainda existir gente que acha que tudo isso é bobagem. De acordo com pesquisas recentes, se seguirmos nesse ritmo, daqui a 400 anos poderemos falar em igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Como é provável que o planeta não dure tanto...


CONTEXTO | Marisa Naspolini
publicado no dia 13 de agosto de 2011 | Diário Catarinense

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